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De que forma a nutrição pode auxiliar pessoas que precisam dos inibidores de apetite
Medicamentos que ajudam a reduzir os níveis de açúcar no sangue e promovem a perda de peso, eficientes para combater o diabetes e a obesidade, podem causar efeitos indesejados, como intolerância alimentar, perda de massa magra, diarreia e vômitos
Valéria Machado
Maria Cristina Izar

A eficácia dos medicamentos para tratar diabetes tipo 2 e obesidade é um alívio para pacientes que sofrem com essas doenças. Eles fazem as vezes do hormônio natural agonista do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1). Dessa forma, são chamados de “agonistas GLP-1” e agem reduzindo a glicemia ao promover a secreção de insulina, retardam o esvaziamento gástrico, diminuindo o apetite, e inibem a secreção do glucagon, hormônio produzido no pâncreas que aumenta os níveis de açúcar no sangue.
Mas a ação dos agonistas GLP-1 também provoca uma reação em cadeia em prol do sistema cardiovascular: baixam a pressão arterial e melhoram o perfil lipídico, além de atenuar a disfunção endotelial e potencializar a função ventricular esquerda naqueles com insuficiência cardíaca. Por isso, tais fármacos são associados à redução no risco de eventos, como infartos e AVC.
O uso do GLP-1, porém, pode ocasionar consequências adversas, que precisam ser monitorados por equipes de saúde. Ao induzirem a saciedade, a perda de peso poderá ser excessiva, levando à necessidade de aumento de ingestão calórica e (ou) ajustes na dosagem. O retardo no esvaziamento gástrico é capaz de causar náuseas, vômitos e diarreia. Quando essas ocorrências são constantes, chegam a afetar a absorção de nutrientes.
Portanto, para manter as vantagens do tratamento é necessário um acompanhamento multidisciplinar: o endocrinologista gerencia o protocolo farmacológico e ajusta doses; o cardiologista mensura benefícios cardiovasculares e eventuais complicações; o nutricionista atua diretamente na educação nutricional, prevenindo a queda de massa magra e promovendo hábitos de vida saudáveis e o educador físico prepara o melhor protocolo de atividade caso a caso. Essa interação evita a interrupção precoce da terapia (que ocorre em até 12% dos casos por efeitos gastrointestinais​) e garante que a perda de peso seja sustentada, focada na redução de gordura, e não de músculos.
Outro ponto que deve ser ressaltado entre os usuários do GLP-1 é sua relação com intervenções que necessitem de anestesia. Como retarda o esvaziamento gástrico, o medicamento precisa ser interrompido 21 dias antes do procedimento cirúrgico para evitar que, em um eventual refluxo, o paciente aspire o conteúdo gástrico.
Por ser um tratamento que requer orientação específica e que não deve ser consumido aleatoriamente ou para fins estéticos, desde junho passado, a Anvisa determina que sua compra será feita apenas mediante retenção de receita médica.
A educação alimentar é um coadjuvante essencial para minimizar os danos causados pelos agonistas de GLP-1. De acordo com as diretrizes de consenso científico publicadas no Journal of Clinical Medicine (2023), é preciso: fracionar refeições e comer devagar; preferir alimentos de fácil digestão e baixo teor de gordura (como legumes cozidos e carnes magras grelhadas); não comer comidas picantes, industrializadas, muito doces e alimentos gordurosos​; ingerir líquidos em pequenos goles, especialmente os claros e frescos, e incorporar alimentos que ajudem a reduzir náuseas, como chá de gengibre​.
Já quando pensamos nas perdas de tônus muscular, estudos mostram que até 40% do peso perdido com o uso dos agonistas de GLP-1pode envolver massa muscular, caso o paciente não tome as providências necessárias. Entre as ações para evitar tais consequências, preservar a saúde metabólica e promover emagrecimento com qualidade, aumentando a ingestão de proteínas – carnes magras (peixes, por exemplo), ovos, iogurte grego, tofu e leguminosas; distribuir proteínas durante todas as refeições para estimular síntese proteica de forma contínua; garantir um aporte mínimo de 1,2 a 1,5 g de proteína por kg de peso corporal, principalmente em idosos; associar exercícios resistidos, como a musculação, que potencializam o anabolismo muscular,​ e, se necessário, utilizar suplementos prescritos por nutricionista para completar as necessidades diárias. A SOCESP preparou um perguntas e respostas sobre como a alimentação pode auxiliar quem utiliza essa classe de medicamentos (https://socesp.org.br/noticias/area-medica/como-fica-a-nutricao-e-a-saude-cardiovascular-com-a-popularizacao-dos-inibidores-de-apetite/).
Precisamos deixar claro que os agonistas GLP-1 cumprem a missão de combater doenças graves, que desencadeiam outras ainda mais graves e até fatais: doenças cardiovasculares – como infarto, AVC, insuficiência cardíaca – acarretam cerca de 400 mil mortes por ano no Brasil.
Mas o tratamento também pode ser um estímulo inicial para a reeducação alimentar. De acordo com o consenso científico​, sem mudanças de hábitos, há alto risco de reganho de peso após o término da medicação.
Apesar de muitos buscarem o medicamento por questões estéticas – reduzir peso para melhor aparência, autoestima, mobilidade e bem-estar – conforme o processo avança, há oportunidade de fomentar esclarecimentos aos pacientes. Ele deve saber reconhecer sinais de fome e saciedade, a escolher alimentos saudáveis, evitar distrações nas refeições e manter porções controladas​. Incorporar exercício físico regular e otimizar a alimentação — são atitudes tão ou mais importantes que o próprio tratamento: muitos passam a entender que a obesidade é uma condição inflamatória crônica. Por isso, a atuação da equipe multiprofissional é essencial para transformar a motivação estética em um projeto de saúde a longo prazo, com foco em qualidade e longevidade.

Valéria Machado é coordenadora geral do Departamento de Nutrição da SOCESP e mestre e doutora em Ciências Aplicadas à Cardiologia. Maria Cristina Izar é cardiologista, presidente da SOCESP (biênio 2024/2025) e professora adjunta livre docente da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo.