Andreia Arantes Colunistas

O trono vazio: a crônica do empreendedor que tinha um reino, mas esqueceu seu povo.

IMAGEM - CANVAS

O que derruba mais empresas: a crise econômica ou a crise humana? Ao longo de mais de duas décadas observando negócios nascerem e falecerem, aprendi que a resposta raramente está na planilha de custos. Ela vive nos corredores, nas salas de reunião e no silêncio de uma equipe que desistiu.

Hoje, quero compartilhar a história de “Marcos”. Ela é uma ficção, mas sua essência é a realidade mais comum e dolorosa do nosso ecossistema empreendedor.

O império de areia

Marcos era o retrato do sucesso aparente. Com alguns pontos de venda e uma ambição que não cabia em si, ele deixou de se ver como um empreendedor para atuar como um imperador. O problema é que seu império fora construído sobre areia.

Essa percepção distorcida de si envenenou suas ações. Ele já não liderava, somente ordenava. O processo para trazer alguém para o time já revelava as rachaduras na fundação: promessas no ar, responsabilidades nebulosas e uma pressa que denunciava a desorganização. O candidato, muitas vezes por necessidade, aceitava o desafio, mas sua intuição já lhe soprava um alerta.

O primeiro dia de trabalho era um ritual de abandono. Não havia um plano de integração, o famoso onboarding. O novo colaborador não era apresentado à cultura, pois ela não existia claramente. Não havia treinamento técnico, nem um mapa que demonstrasse os caminhos para crescer. Ele era simplesmente alocado em sua função com a expectativa implícita de que adivinhasse o que fazer.

Sem direção, o sentimento de não pertencimento floresce. O profissional se vê em um cenário de desequilíbrio: a cobrança é máxima, o suporte é mínimo. É neste vácuo de liderança que a frustração se instala e o conflito germina. A relação, que deveria ser de respeito, azeda. O colaborador, desvalorizado, é um detrator silencioso, minando a reputação da empresa de dentro para fora. Não como um ato de sabotagem, mas como o sintoma febril de um organismo doente.

Do outro lado, Marcos enxergava o cenário como incompetência e ingratidão. Pressionado pelas finanças, ele reagia com a fúria de quem se sente traído. Sua capacidade de ouvir desapareceu, e a comunicação implodiu. A engrenagem, que um dia girou pela força do sonho, agora estava travada pela ferrugem do ressentimento. Uma bola de neve que, no fim, soterraria a todos.

A voz da especialista: decodificando o caos

A história de Marcos é a crônica de um mal que assola o Brasil: o empreendedorismo que nasce da necessidade, não da preparação. É o resultado de ter o capital para abrir uma porta, mas não a educação empreendedora para construir um negócio. Dinheiro compra um estoque, mas não cria uma cultura. Minha experiência me comprovou que a virada de chave está em alguns pontos fundamentais:

  1. A engenharia humana precede a engenharia de vendas. Antes de sonhar com a expansão, é preciso ter a humildade de se debruçar sobre a fundação. Quem somos? O que é inegociável para nós? Como garantimos que cada pessoa que entre aqui — seja colaborador, fornecedor ou cliente — respire o nosso DNA? Essa arquitetura de cultura e processos, incluindo um onboarding impecável, é o que permite que o dono possa, um dia, se afastar da operação sem que tudo desmorone.

  2. O colaborador não é um recurso, é o primeiro cliente. O cuidado com a jornada do cliente é um discurso popular, mas ele começa muito antes, na jornada do colaborador. Uma equipe que se sente insegura, desrespeitada e sem perspectivas de futuro jamais entregará uma experiência memorável. Ela somente cumprirá ordens. O seu cliente sempre sentirá a diferença entre um sorriso genuíno e um sorriso que consta no manual.

  3. A consciência é o ativo mais valioso. O ciclo de caos só se quebra quando o líder tem a coragem de olhar no espelho. É no momento em que ele para de culpar o mundo e começa a se perguntar “qual é a minha responsabilidade nisso?” que a mudança acontece. É quando ele entende que precisa de ajuda, busca mentores, ouve consultores e se dispõe a reaprender. A consciência precede a cura. Esperar o caixa quebrar para chegar a essa conclusão é o caminho mais caro que existe.

A fragilidade de tantos negócios que vemos no varejo e nos serviços nasce dessa falta de profissionalismo na gestão de pessoas. A energia do líder se esvai apagando incêndios que sua própria ausência ajudou a criar.

Meu papel, nesta coluna, é entregar um atalho para essa consciência. É oferecer o aprendizado do campo de batalha para que você construa um negócio do qual se orgulhe não somente pelos números, mas pelas pessoas.

Afinal, a escolha que define um legado é sempre a mesma.

E você, está construindo um trono para si ou uma mesa redonda para o seu time?